quinta-feira, 2 de setembro de 2010

Seu nome é Villa-Lobos


Dizem que os maestros possuem as características de se apresentarem como autoritários e com atitudes bem controvertidas. O nosso compositor brasileiro, carioca, maior representante da música erudita, com certeza possuia essas características, mas principalmente uma que o fazia transbordar-se em um furor ritmico que lhe deu uma audácia criativa, tornando-o o anunciador da música do Modernismo no Brasil, compondo obras que enobreceram o seu espírito nacionalista onde incorporou elementos das canções folclóricas, populares e indígenas. E é isso que caracteriza o Villa Lobos: um equilíbrio entre o compositor erudito com alma popular e o compositor popular com espírito erudito.

Dotado de uma genialidade musical, Villa-Lobos é o primeiro músico brasileiro reconhecido no mundo inteiro. Assim que ele chegou a Paris pela primeira vez, a imprensa francesa não sabia como tratar sua música. Para descrevê-la, passou a usar comparações com a natureza do Brasil, da qual só havia ouvido falar, como forte, grandiosa e primitiva, o que fez o compositor se aproveitar desse deslumbramento como fonte de promoção e passou a se descrever como 'selvagem'.

É possível encontrar na obra de Villa-Lobos preferências por alguns recursos estilísticos: combinações inusitadas de instrumentos, arcadas bem puxadas nas cordas, uso de percussão popular e até imitação dos cantos de pássaros. O maestro não defendeu e nem se enquadrou em nenhum movimento, e continuou por muito tempo desconhecido do público no Brasil e atacado pelos críticos. Entretanto, o que se destaca em suas obras é uma forte presença de referências a temas do folclore brasileiro.

Nesse primeiro triunfo parisiense, deixou bem à mostra o conhecimento da linguagem stravinskyana. O resultado é um vasto painel rapsódico, onde as desigualdades, inevitáveis por força da produção imensa, são compensadas pela predominância de obras de alto valor.

Ainda que, às vezes, identificamos em suas músicas algo da melodia de Puccini e Tchaikovisky, e em outras vezes a atmosfera de Wagner ou o ritmo de Stravinsky e ou ainda as harmonizações de Ravel, não podemos jamais esquecer da importância decisiva que ele prestou ao choro, música popular de alto nível, com a qual Villa-Lobos conviveu desde a infância. Nessa amálgama toda de compositores que ele admirava, Bach funcionou mais como o mestre inspirador do que uma diretriz de estilo. Mesmo assim, nessa pluralidade toda, o grande Villa encontra a maneira própria de destacar a sua voz como legítimo representante de nossa musicalidade. Em todas as suas músicas aparecem registradas como uma marca viva e forte de legítima brasilidade.

Na verdade, ele esteve sempre com a finalidade de assimilar as manifestações do folclore musical, e, para tal, fez várias incursões nas diversas regiões do nosso país, fechando a rota com uma permanência na Amazônia. Assim, viajou pelo Brasil se apresentando como músico e teve um contato intenso com o folclore brasileiro. É nesse período que Villa-Lobos compõe "Amazonas" e "Uirapuru".


Ainda transparecendo influência estrangeira e, ao mesmo tempo, já se expressando numa linguagem própria, Villa-Lobos começou a se impor no cenário cultural do Brasil em 1922 , onde toma parte destacada na Semana de Arte Moderna em São Paulo. O reconhecimento oficial também se manifestou, através da encomenda de trabalhos sinfônicos. Villa-Lobos não foi o único compositor moderno interpretado na Semana de Arte Moderna. Junto com suas obras foram interpretadas obras de Debussy, por Guiomar Novaes, e obras de Eric Satie, por Ernani Braga, o qual também interpretou "A Fiandeira", de Villa-Lobos. O Teatro Municipal de São Paulo foi o primeiro palco "erudito" a receber as obras de Villa-Lobos.



Certamente todo esse seu interesse pelo folclore brasileiro nasceu nele muito cedo, desde a infância onde teve convívio com a música e onde teve seu primeiro contato com a música nordestina porque presenciou várias reuniões de cantadores e seresteiros. Essas grandes noites repletas de música nordestina foram vividas por Villa-Lobos na sua infância de tal maneira que se tornaria inevitável a sua fascinação pela arte popular. Tão grande foi a fascinação de Villa-Lobos pela música popular que sabia tocar quase todos os instrumentos que aqueles cantadores tocavam e em especial o violão, praticado com grande afinco e dedicação.


Sua formação musical foi muito inflenciada pelas noites de sábado da casa dos Villa-Lobos que recebiam grandes nomes da época para cantar e tocar até de madrugada. Seus biógrafos afirmam que ele estudou no Instituto Nacional de Música, mas o próprio Villa-Lobos disse que detestava tal escola. Autodidata, entrando em contato com uma música diferente da que estava acostumado a ouvir pelos grandes compositores, pesquisou as modas caipiras, as técnicas dos tocadores de viola e outros tipos que mais tarde viriam a universalizar-se através de suas obras.

Villa-Lobos de início matriculou-se no curso de preparação para o exame vestibular de medicina, obedecendo à vontade de sua mãe. No entanto, aos 16 anos, fugiu de casa e foi refugiar-se na casa de uma tia, Fifina, a fim de ter maior liberdade para frequentar os chorões e tocar em pequenas orquestras. Foi essa mesma tia que lhe apresentou os Prelúdios e Fugas do Cravo Bem Temperado de J. S. Bach, e assim "Tuhú" (seu apelido de infância) fascinou-se pela obra de Bach, acabando por lhe servir de fonte de inspiração para a criação de um de seus mais importantes ciclos, o das nove Bachianas Brasileiras.

A música praticada nas ruas e praças da cidade do Rio de Janeiro passou cada vez mais a exercer-lhe um atrativo especial. O choro, composto e executado pelos "chorões", músicos que se reuniam regularmente para tocar por prazer e, ainda, em festas durante o carnaval. Tal interesse levou-o a estudar violão escondido de seus pais, que não aprovavam sua aproximação com os autores daquele gênero, pois eram considerados de nível social mais baixo e como marginalizados.


Villa pagava-lhes, sempre que podia, uma boa dose de pinga. Um dos grandes problemas enfrentados pelo jovem Villa-Lobos na época era como adquirir capital suficiente para financiar aquelas tantas pingas. É aí que entra em cena a famosa biblioteca do falecido sr. Raul Villa Lobos, da qual ele vendia os livros aos poucos para conseguir a cota financeira necessária para melhor entrosamento com os chorões. E podemos dizer que foram esses encontros que lhe serviram de base para inserir o violão no modernismo e também com isso fez com que hoje a escola brasileira desse instrumento seja respeitada em todos os âmbitos.

Villa-Lobos se inspirou a fazer os Choros quando era um "chorão"e ele nunca foi um compositor organizado, que senta na escrivaninha e toda vez que erra apaga com a borracha. Não. Dizem que ele compunha durante o banho, dentro de um ônibus, ou num parque barulhento ou em qualquer lugar onde lhe propiaciasse para tal. Não tinha regras e sempre recusou fazer revisões em suas peças. Gostava mesmo era de seus rascunhos feitos em qualquer papel e deles saiam suas partituras finais.

É justamente por ser aberto a toda espécie de música que ele pode fazer uma obra prolífera, combinando indiferentemente todos os estilos e todos os gêneros, introduzindo sem hesitação materiais musicais tipicamente brasileiros em formas tomadas de empréstimo à música erudita ocidental. Procedimento que o levou a aproximar, numa mesma obra, de Bach e dos instrumentos mais exóticos.

Suas composições principais podem ser divididas em: -Bachianas Brasileiras, -Choros, -Quartetos de cordas, -Cirandas, -Sinfonias,-Serestas (música para canto), -Sonatas, -Trios, -Poemas sinfônicos, -Peças para piano, -Concertos para piano e Orquestra, -5 Óperas, -Balés.

Mesmo assim ainda hoje não é totalmente conhecido em sua vasta obra que, diga-se de passagem, são pouco divulgadas do nosso país, apesar dele ter alcançado um grande reconhecimento em nível nacional e internacional no meio artístico. Sua obra mais popular é a "Ária", das "Bachianas Brasileiras nº5 e o"Trenzinho Caipira", das "Bachianas Brasileiras nº2 que está em segundo lugar.

Entre os títulos mais importantes que recebeu está o de Doutor Honoris Causa pela Universidade de Nova Iorque e o de fundador e primeiro presidente da Academia Brasileira de Música. O maestro foi retratado nos filmes Bachianas Brasileiras: Meu Nome É Villa-Lobos (1979), O Mandarim (1995)e Villa-Lobos - Uma Vida de Paixão (2000), além de aparecer pessoalmente no filme da Disney, Alô, Amigos (1940), ao lado do próprio Walt Disney. Em 1986, Heitor Villa-Lobos teve sua efígie impressa na cédula de quinhentos cruzados, já não mais usada.

Preciso ressaltar o visionário educador que foi Villa-Lobos. Seu grande projeto educacional e musical, em que teve destaque o Canto Orfeônico, resultando na compilação do "Guia Prático" (Temas Populares Harmonizados) e que, aplicado nas novas gerações de 1930 a 1950, formou um público diferente do que vivenciamos hoje. Villa-Lobos tinha a certeza de que a educação musical fazia parte da formação do ser humano, onde a sensibilidade artística e senso crítico são despertados através da música. Até onde sei de mim, agradeço à escola por ter me fornecido as primeiras experiências musicais não só ouvindo, lendo e praticando música, mas também despertando a minha admiração artística para o som, através da disciplina "Canto Orfeônico". Lembro-me também das participações em danças folclóricas animadas pelas músicas de Villa Lobos e interpretadas por Bidú Sayão. Bons tempos!

Sem dúvida, ele deixou uma marca de diferença.
Levic