terça-feira, 9 de fevereiro de 2010

Almodóvar e o seu cinema





Acabei de ver o filme de Pedro Almodóvar - "Abraços Partidos", que infelizmente não pude assistir na telona e me contive na minha tela de tv. Tudo bem. O importante é captar a metalinguagem dos filmes desse diretor genial, que sabe colocar sua sensibilidade à flor da pele no cinema, emprestando os seus olhos para se ver o inatingível. Pedro Almodóvar é o próprio desejo que aflora no ser humano sem pedir licença para se instalar. Não é à toa que sua produtora se chama "El Deseo", pois seus filmes nada mais são do que colocar no colo de cada espectador o mundo inconsciente que domina cada ser humano, tornando-o forte para desejar o seu objeto de desejo e fraco para submeter-se a esse desejo feroz que o rasga literalmente.

O que marca, e que já é marca em Almodovar são suas cenas, suas cores, a sensibilidade com que ele coloca seus personagens e os integra no mundo. Os seus filmes têm combinações de cores, cenas e ângulos que chamam a atenção, onde o diretor nos mostra a íncrivel beleza estética de coisas tão simples e cotidianas. Os contornos inesperados que vão se delineando através do enredo, bem ao estilo de Almodóvar, mostra sempre todo o seu talento e competência ao conduzir brilhantemente a história do filme, nunca apelando para clichês e nunca tornando-o previsível. Essa genialidade de Almodóvar é que me comove e me desperta a admiração pela coragem que ele carrega ao entregar cenas tão deprimentes ao mesmo tempo tão bonitas e principalmente como humanas, sem as máscaras das defesas. Seus personagens são seres que se mostram pelo avesso, ao mesmo tempo que nos revela a nossa própria alma, os nossos próprios recônditos desejos primais.

O que está sempre em cena são os romances infelizes, os caprichos do destino, a violência, a morte e o sexo como ápices da experiência dos personagens que vivenciam uma tensão constante entre o desejo e a fatalidade, entre o prazer e a dor. A força do cineasta, contudo, não está na opção por mobilizar os sentimentos desse universo conflitivo. A sua originalidade não está tanto nas regras do jogo, mas sim na admissão de novos jogadores, às vezes simplesmente reordenando as peças no tabuleiro. Sem querer, a gente identifica passagens de outros filmes dando oportunidades para ressignificá-las com maior profundidade e entendimento. É como se fosse um caleidoscópio.

Por isso, em seus filmes, a homossexualidade não é mais um tabu, mesmo quando o pano de fundo é a relação amorosa enquadrada no modelo tradicional de família assim como a religiosidade não é mais soberana para com os valores e nem tampouco o bem e o mal se misturam com hedonismo, injetando na ação o poder do seu mais íntimo siginificado ser a sua direção.

Almodóvar amadureceu com seus filmes. A cada nova película sente-se mais o clima almodovariano só de ver as imagens. É muito característico o uso de cores fortes e quentes, objetos em cena como se fossem atores, mostrando a sua cultura em seus mínimos detalhes. A feminilidade está presente em todos seus filmes, e até mesmo nesse 'Abraços Partidos' que tem uma visão do ponto de vista masculino. É um olhar, a sutileza, um close. Almodóvar consegue penetrar no universo feminino com uma espontaneidade, que somente se vê naquelas pessoas que são escolhidas para serem femininas.

Mesmo com o assédio, não se vendeu para os grandes estúdios de Hollywood, mantendo-se fiel à sua produtora El Deseo, onde tem toda a liberdade para fazer cada obra de arte. Homossexual assumido, sofreu e talvez ainda sofra com o preconceito que o mundo persiste em ter. Chegou a escrever livros totalmente sexuais e hilários, como Patty Diphusa e Fogo nas Entranhas que não se tornaram e nem se tornarão filmes, ao menos não seus.

Almodóvar deixou de ser um cineasta marginal e tornou-se um dos maiores expoentes do cinema, o que justifica a sua célebre frase: "O importante é sobreviver e manter a paixão". A paixão que aquece o desejo ou é este que explode em paixão.

Por isso ele é diferente!




Levic